A importância dos mitos

Por Mario Teixeira

Os mitos são de grande importância para a construção de uma sociedade, contribuindo para agregar grupos culturais; construir uma Nação; e destruir civilizações. Que o digam os mexicanos, que puderam assistir de perto a importância dessas ficções ou elementos históricos, ou não, na destruição de séculos de história e na transformação de um povo.

Distante do sincretismo que existe na cultura brasileira, onde os negros associaram suas divindades a santos católicos para manter seus cultos, o México viveu o processo visto na cultura Greco-romana. As igrejas foram construídas no local onde existiam os templos, com as pedras da destruição dos antigos locais de adoração de maias, astecas e tantos outros. Pela imposição surgia uma nova cultura, com frades franciscanos, agostinianos e jesuítas “reformando” a fé do povo.

Igreja de San Thiago Matamoros, construída com as pedras do antigo Templo Maior dos astecas, cujas ruínas vemos em primeiro plano

A igreja de San Thiago Matamoros, padroeiro dos espanhóis e estandarte dos conquistadores, em Tlatelolco, principal área comercial e financeira dos astecas, foi um belo exemplo dessa imposição. Para mostrar a superioridade do santo católico sobre os deuses que recebiam oferendas no Templo Maior, os espanhóis transformaram a região em ruínas e ergueram, com os restos do templo, a igreja. Um ponto polêmico, que gerou discussão e mal estar entre religiosos e lideranças culturais, é o quadro de San Thiago que se encontra no altar principal, onde apresenta o santo católico, à frente dos espanhóis, pisoteando os índios com seu cavalo branco.

Religiosos apressaram-se a dizer que a imagem foi "mal interpretada". Que os índios estão juntos com San Thiago na luta contra o Diabo

A região de Tlatelolco, conhecida como a Praça das Três Culturas, guarda muitos símbolos de dor, não apenas na Colonização. Maior que Veneza e Constantinopla, na época da chegada dos espanhóis, a cidade foi a última a cair nas mãos espanholas. No dia 13 de Agosto de 1521 cerca de 40 mil homens, mulheres e crianças astecas foram dizimadas pelo exército de Hernán Cortéz. Já em 2 de Outubro de 1968, 10 dias após os Jogos Olímpicos, cerca de 300 estudantes que reivindicavam melhores condições de vida para a população, foram executados pela polícia e pelo exército, sendo que muitos corpos ainda estão desaparecidos.

MITOS QUE DESTRÓEM

 Não há um mito mais destrutivo para os mexicanos que o do deus Quetzalcoátl (a serpente emplumada). Essa deidade é incorporada à cultura asteca quando eles chegam ao vale do México. Uma das novidades na devoção a esse deus é a ausência de sacrifícios humanos, comuns em todo o panteão das culturas pré-colombianas. Representava as energias telúricas que ascendem, daí a sua semelhança a uma serpente, simbolizando a vida, a abundância de vegetação, o alimento físico e espiritual para o povo.

O deus Quetzalcoátl, segundo estudos, um viking que naufragou no Caribe e chegou às praias do México.

Estudos mostram que Quetzalcoátl parecia ser um náufrago viking – branco, alto e de olhos azuis – encontrado em alguma praia do Caribe, branco, alto e de olhos azuis. Por ser diferente da população local foi automaticamente identificado como um deus, recebendo oferendas de plumas e adornos. Em seu tempo com os astecas, recusou qualquer tipo de sacrifício humano em sua homenagem, ensinando os índios a plantar, desenvolvendo o comércio entre as distintas tribos e possibilitando um período de paz no grupo.

Hernán Cortéz recebido por Montezuma como o deus Quetzalcoátl que retornava para seu povo

Como todo deus, depois de muitos anos com os astecas subiu em uma canoa e partiu pelo Caribe, garantindo que voltaria no futuro. Esse, tem sido apontado por historiadores, como o principal motivo para as tribos terem recebido Cortéz com reverência, já que chegava pelo mesmo lugar, com barcos, vestindo uma armadura brilhante e possuía um tipo físico parecido com Quetzalcoátl. Desfeita a semelhança, os espanhóis usaram o descontentamento de outras tribos com o regime asteca para vencer a guerra e consolidar a sua posição no novo território.

MITOS QUE UNEM

Um dos mitos mais importantes para os mexicanos é o da Virgem de Guadalupe. Conta a lenda que a Virgem apareceu a Juan Diego, um coletor de frutas e ervas medicinais, que vendia no mercado. Um dia, ao chegar à região onde havia o templo da deusa Coatlicue, a mãe dos deuses, ouviu o cantar de inúmeros pássaros e seguiu os animais, até onde estava a santa. Com a cor morena, como os astecas, ela teria dito ao jovem que fosse ao bispo e dissesse que ela queria que fosse construído naquele local um templo dedicado a ela.

Representação da deusa Coatlicue, a Mãe dos Deuses

O jovem, acreditando que era a “mãe dos deuses”, foi ao bispo franciscano Frei Juan de Zamarraga e contou o que havia acontecido. O deboche foi a principal arma dos espanhóis, uma vez que não acreditavam que a Virgem Maria iria aparecer para um indígena recém colonizado, falar na língua Nahuatl (dos povos da região) e pedir alguma coisa. A decisão do bispo foi que a Virgem lhe enviasse um sinal, para reconhecer que era real o seu pedido.

Passaram-se três dias até que em 12 de Dezembro de 1531, desanimado com a história e temeroso de que a “senhora” ficasse furiosa, diz que o bispo havia pedido uma prova. Ela pede que ele vá ao outro lado do morro e colha rosas para levar ao bispo. Dessa vez a desconfiança é dele, já que o inverno não era época de flores na região. De qualquer forma, vai até o local e encontra belas e perfumadas rosas, que colhe e coloca no tecido de juta que usava para colher as ervas. Segue até o bispo, na certeza de que aquela era a grande prova, rosas no período de inverno. Entretanto, ao chegar e mostrar ao bispo a prova que ele pedira, percebe que por onde caíam as flores se formavam estrelas. A relíquia, material de degradação fácil, encontra-se guardada na Basílica e, nas últimas décadas, apenas o Papa João Paulo II teve autorização para tocar o material.

Juan Diego e a Virgem. Pele morena e traços indígenas ajudaram na assimilação do culto pelos astecas

Milagre ou mito, o importante é que a Virgem de Guadalupe representa uma importante peça para a conversão de milhares de índios ao Catolicismo. O fato de ser uma mulher, com a mesma cor dos astecas e possuir os mesmos traços dos olhos das culturas pré-colombianas foi fundamental para a aceitação. Da mesma forma, o laço que a Virgem traz sob os seios era um símbolo indígena de mulher grávida, ou seja, Mãe, aquela que traz vida, assim como a deusa que tinha seu templo naquela região.

Esse simbolismo foi importante para a construção de uma unidade religiosa, qualificando os povos mesoamericanos ao mesmo patamar de importância que os conquistadores aos olhos da “deusa”. Essa identidade abriu os caminhos para a transformação da cultura e a inclusão de elementos espanhóis ao dia a dia religioso dos indígenas. Hoje, considerada a padroeira das Américas, a Virgem de Guadalupe é um dos elementos mais fortes da cultura mexicana, que se classifica como “guadalupana”.

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