Desafios para a consolidação do mercado turístico LGBT

Eventos como o MadBear atraem mais de 3 mil participantes por noite (Foto: Divulgação/MadBear)

Por Mario Teixeira

Mais que um conceito, ou uma série de letras, pessoas que querem serviços de qualidade. Assim o consultor Ian Johnson, fundador da Consultoria Out Now e há duas décadas reconhecido como autoridade internacional em política para o segmento Lésbico, Gay, Bissexual e Transgênero (LGBT), define o principal problema para a consolidação de uma política de turismo voltada para o mercado que mais cresce atualmente. Movimentando cerca de US$ 54 bilhões (cerca de R$ 121 bilhões), com uma taxa de crescimento anual em torno de 10%, esse novo mercado tem enchido os olhos de regiões até então tradicionais, como o Nordeste brasileiro e a Coréia do Sul, que estão se apresentando como mercados excitantes e seguros para essa nova vertente de mercado. Pernambuco, inclusive, poderá vir a sediar uma grande conferência sobre o segmento em 2016.

Para discutir os desafios desse mercado estão sendo programados três grandes eventos entre outubro de 2013 e Maio de 2014, nos Estados Unidos e Europa. Embora no século 21, situações como o projeto de “cura gay”, discutido na Câmara dos Deputados do Brasil; as declarações do presidente da indústria italiana de massas Barilla, líder mundial de vendas, Guido Barilla, de que não aceitaria homossexuais fazendo propaganda para a sua marca; ou mesmo as declarações do presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, de que a homossexualidade é uma das maiores ameaças globais contribuem para que o setor demore a se consolidar em várias partes do mundo. A Associação Brasileira de Turismo para Gay, Lésbicas e Simpatizantes (AbratGLS), apontada internacionalmente como o principal grupo consultor de políticas para o mercado GLBT no país, embora convidada a discutir os desafios para a consolidação do mercado, não se pronunciou.

A questão do preconceito será base para a 14ª Conference on LGBT Tourism & Hospitality, em Dezembro, em Fort Lauderdale, na Flórida, Estados Unidos; a ITB Berlin Travel Trade Show, em Março, na Alemanha; e a 31ª Annual Global Convention, em Maio, em Madrid, na Espanha, buscando alternativas para a expansão do mercado de forma segura e com qualidade. Formação de mão de obra também será debatida, uma vez que relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2012 (em anexo), deixa claro que a criminalização da homofobia e os avanços na conquista de casais do mesmo sexo podem garantir um futuro melhor para o mercado turístico LGBT, com a definição de novos produtos e serviços especializados. Da mesma forma, o conhecimento do potencial permite um estudo mais aprofundado da demanda turística, definição do público e necessidade de criação de serviços.

- Na Out Now preferimos usar os dados da Organização Yankelovich, com sede em Nova Iorque, de que 6% do total de adultos nos Estados Unidos são gay. Isso equivale a 15 milhões de pessoas, enquanto no Brasil esse número chegaria a 8,9 milhões de gays e lésbicas. Esse grupo deixará no mercado turístico global, estimativa para 2013, cerca de US$ 181 bilhões (cerca de R$ 434 bilhões, pelo câmbio de hoje). Quem desenvolver melhor seu mercado e treinar sua mão de obra sai na frente na conquista desse importante segmento – frisou Johnson, que fez um estudo sobre o mercado no Brasil até 2020 (em anexo).

Ian Johnson reforça a idéia de que além de ser um mercado, é preciso lembrar que são pessoas (Foto: Ian Johnson)

Questões base para todas as discussões são pesquisa e treinamento. Johnson frisa que os destinos que decidem investir nesse segmento precisam entender o mercado futuro e descobrir qual a expectativa do público em relação àquela região. Diante disso, para o sucesso do empreendimento, é imperativo que sejam feitos projetos voltados para a demanda que irá surgir, a fim de garantir o fluxo contínuo de turistas e, o principal, a propaganda gratuita feita pelos próprios turistas em blogs e até mesmo na conversa com amigos.

No treinamento, é importante que se afaste ideias pré-concebidas sobre o segmento LGBT, reforçando que embora a grande maioria do público seja composta por jovens, com dinheiro para gastar; consumidor voraz de baladas e festas; apreciador de arte e cultura; preocupado com qualidade dos serviços; e com disponibilidade para viajar a qualquer época do ano, há setores bem diferentes, com casais de meia idade e em busca de paz e tranquilidade, além de lugares paradisíacos. Para isso, uma praia na costa brasileira ou um paradisíaco resort no Caribe ou na Ásia possuem o mesmo apelo. O diferencial será, certamente, a qualidade do serviço oferecido e a capacidade de acolhimento da comunidade.

Público procura por qualidade de atendimento e opções de diversão, turismo, cultura e arte (Foto: Divulgação/ Ian Johnson)

O governo brasileiro tem investido em ações para a consolidação do mercado no país, uma vez que o Rio de Janeiro, por exemplo, aparece como o principal destino para gays da América Latina, Estados Unidos e Europa. O Ministério do Turismo participa do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT e, junto com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, elaborou o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT. Da mesma forma, o projeto “Brasil, Destino Diversidade”, implementado em 2007 e realizado inicialmente em Florianópolis, Rio de Janeiro e Salvador, permitiu a produção de material para a capacitação em atendimento ao turista LGBT.

Segundo o Ministério, o Brasil possui inúmeros atrativos para o segmento LGBT, já que possui uma enorme quantidade de atrativos naturais, além de festas como o Carnaval e as paradas, sendo a de São Paulo a maior parada LGBT do mundo. A aceitação do brasileiro é alta em relação aos outros países da América Latina, com uma vida cultural intensa e um estilo de vida de qualidade, que contam como grandes motivadores para o turismo.

No caso do Rio de Janeiro, que vem sendo apontada como a cidade mais “gay friendly” do Brasil, várias ações estão contribuindo para dar cada vez mais visibilidade ao mercado. O lançamento do selo “Rio Sem Preconceito”, em 2011, que é afixado em estabelecimentos que são capacitados pela Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual com noções e conhecimento sobre leis de direito civis e humanos, tem ajudado a aumentar o fluxo de turistas na cidade. Segundo dados da Riotur, dos 2 milhões de turistas que chegam à cidade todos os anos, cerca de 500 mil são LGBT. E a tendência é de que esses números entrem numa progressão geométrica, atraindo mais turistas, gerando mais oportunidades de trabalho e garantindo mais recursos para a cidade.

Visto como um público especial, com gastos diários superiores a US$ 200, tem criado uma busca por capacitação especifica nas áreas de Serviços, Hotelaria e Gastronomia. A própria Riotur já percebeu o aumento da demanda por treinamentos específicos, oferecendo aos profissionais material especial para esse processo de capacitação. Hoje, de acordo com analistas, é preciso expandir as fronteiras dessas ações, apontadas como voltadas apenas para os bairros turísticos da Zona Sul. Entretanto, admitem, foi dado o primeiro passo para a consolidação de uma política de atração turística LGBT de qualidade, com atendimento profissional e compartilhando com o turista o estilo de vida e a alegria comum ao brasileiro.

Novos casais homossexuais estão investindo muito no mercado do turismo (Foto: Divulgação/ Ian Johnson)

Para Johnson, o país está em transformação e questões como homofobia e falta de qualificação profissional dos trabalhadores ainda são comuns. O importante, frisou, é que essa visibilidade de um novo segmento de mercado já está patente. Há de se levar em consideração que essas questões podem não ser confortáveis para alguns grupos, mas mostrar que esse é um mercado em crescimento e profundamente interessado na construção de melhores oportunidades é de extrema importância.

- O que acontece hoje no Brasil é o mesmo que acontece no restante do mundo. Dar visibilidade a questões básicas como homofobia, assédio, violência e discriminação da sociedade contra o público LGBT é importante. Tenho certeza de que isso irá diminuir ao longo do tempo. Eu e minha equipe da Out Now estamos contentes em poder ajudar a impulsionar os benefícios positivos dessa mudança social – ressaltou o fundador da Out Now.

Mudança, reiterou, são processos lentos em grande parte dos países e podem dar a impressão de que não existem. Ainda está longe o dia em que hotéis, companhias aéreas ou mesmo destinos turísticos foquem uma campanha exclusiva para o segmento LGBT. Em contrapartida, o mercado sabe dessas limitações e espera apenas uma recepção agradável e um tratamento hospitaleiro e caloroso.

Embora o Brasil apresente eventos de grande capacidade de mobilização do setor turístico, como Carnaval e a Parada LGBT, faltam grandes festas LGBT como o XXL London, dia 28 de Setembro, na Inglaterra; o Bear Bust, de 17 a 20 de Outubro, em Orlando, nos Estados Unidos; e o MadBear, de 4 a 9 de Dezembro, em Madri, na Espanha, capazes de atrair durante uma semana mais de 8 mil pessoas em eventos em boates ou ao ar livre, tanto atacando questões de saúde e comportamento, quanto com apresentações de cantores e DJs. A falta de iniciativas comunitárias para grandes eventos, que podem contar ou não com a participação financeira e logística de autoridades de turismo, tende a mudar com o tempo. O fortalecimento dessas comunidades, com base em pesquisa junto ao seu público, pode ajudar a diversificar o mercado e agregar mais opções para o segmento LGBT.

 

MADBEAR é referência na Europa

Para os organizadores do evento que é sinônimo de diversão LGBT na Espanha, o MadBear, o espanhol Javier Vergara e o brasileiro Bira Souza, é importante assinalar que o país é hoje o principal destino de sol e praia da Europa, com lugares como Sitges, Ibiza, Gran Canária, Benidorm e Torremolinos, e hoje começa a registrar o crescimento do turismo urbano, voltado para cidades como Barcelona, Madrid e Valência, entre outras. Organizar eventos com mais de 3 mil participantes por noite, durante uma semana, está se tornando comum para a dupla, que tem observado o crescimento dos participantes, apontando como motivo a qualidade das atrações e o clima de cordialidade do encontro.

Cartaz do evento, que acontecerá em dezembro, em Madri

EU ANDO PELO MUNDO – Qual o principal desafio para consolidar e ter êxito no mercado LGBT?

Javier Vergara/Bira Souza – O desafio para os estabelecimentos gays ou “gay friendly” é reunir as características e condições necessárias para que o coletivo LGBT sinta-se confortável, como atendimento adequado aos clientes e especial atenção dos detalhes. A crescente demanda por produtos e serviços desse setor de turismo especializado exige que governo e entidades privadas tenham mais atenção e invistam mais.

Hoje proliferam empresas voltadas para o setor de turismo, assim como clubes e bares, locação de casas e apartamentos, entre outros. Há também uma demanda do segmento LGBT por serviços como salão de beleza, SPA, clínicas, seguros, entretenimento, empresas de catering e até karts.

EU ANDO PELO MUNDO – Embora o Brasil tenha a maior parada gay do mundo, em São Paulo, e o Rio de Janeiro tenha sido escolhido como o principal destino gay do Hemisfério Sul, não existem grandes eventos como MadBear. Por que vocês acham que esse tipo de movimentação não existe aqui?

Javier Vergara/Bira Souza – O Brasil tem tudo para ser um dos principais destinos mundiais do segmento LGBT por sua aparente simpatia e abertura do povo brasileiro. Mas ainda há um longo caminho a ser trilhado, porque as normas sociais ainda apresentam barreiras à diversidade. O Brasil tem tudo que o segmento turístico LGBT pode querer e, em particular, o Rio de Janeiro oferece excelentes instalações, dias e noites cheios de cultura, esporte, lazer, natureza, alegria e clima.

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais foi criada em 31 de Janeiro de 1995, com 31 grupos fundadores e conta hoje com uma rede de mais de 220 associações, sendo a mais importante da América Latina. Explico isso para mostrar a força e importância do movimento no Brasil. Entretanto, a maioria dessas associações tem como principal trabalho a defesa dos direitos dos homossexuais e o aconselhamento coletivo. Não há nenhuma associação voltada para o entretenimento, diversão, grandes festas e etc para os distintos mercados dentro do segmento.

Reconheço a importância desse movimento ao priorizar a reivindicação e padronização dos diretos homossexuais, terminando com as barreiras sociais, em detrimento de eventos de lazer. Receio que isso pode ter sido deixado para um segundo momento também pela dúvida que as organizações têm de participação de empresas nesses eventos. Acredito que o Brasil avançou muito na conquista de direitos e agora talvez seja a hora de ampliar o foco das ações e iniciar um processo de conquista com grandes eventos temáticos, focados no mercado LGBT, mas voltados para toda a população.

EU ANDO PELO MUNDO – A cada ano eventos como MadBear Madri e Torremolinos ganham mais adeptos. Qual a taxa de crescimento anual desse evento?

Javier Vergara/Bira Souza – O primeiro evento, em 2001, contou com 200 participantes. Hoje, em sua 13ª edição, a expectativa é de 3 mil participantes por noite, apontando um aumento de 1.500%. A nossa proposta é associar cada vez mais clubes e bares, com seus negócios paralelos, para que todos cresçam e permitam agregar mais participantes a cada ano.


BR-Public-Report-Out Now.pdf (5632769)unwto_globalreportlgbttourism_lw_eng.pdf (3311256)

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