Magia do Carnaval - Primeiro dia do desfile da Passarela do Samba

Por Mario Teixeira

Que Carnaval é Magia, não há como negar. O sonho de um carnavalesco, por mais delirante que seja, sai do status de loucura para algo tátil, deixa o plano do subconsciente para tomar vida nas alegorias e fantasias e emocionar a Passarela do Samba, que esse ano comemora seus 30 anos de vida. Quando o enredo é “patrocinado” é ainda pior.  Imagine ter de tirar da cartola algo que seja empolgante, envolva a comunidade e todos aqueles que estão assistindo ao desfile, mesmo falando de um creme para cabelo, uma bebida saudável, um energético. Criatividade e mágica andam sempre de mãos dadas.

E, em 2014, isso não podia ser diferente. E esse ano com tons ainda mais fortes. A Beija Flor resolveu fazer um “descarrego” na entrada da Passarela do Samba, antes de entrar. Vaiada pelo Setor 1, que viu naquele ritual uma certa arrogância, a escola só conseguiu amolecer o coração do povo com o talento e o sorriso sempre empolgante da porta bandeira Selminha Sorriso e do mestre sala Claudinho, além do vigor da bateria dos mestres Plínio e Rodney.

Mas a mágica começou muito antes, quando ainda havia venda de capas de chuva do lado de fora do grande palco e muita gente acreditava que o Grêmio Recreativo Escola de Samba Educativo Império da Tijuca, vencedor do Grupo de Acesso no ano passado, era uma escola a esquecer. Não foi! Deu seu recado, cantou, sambou e mostrou a importância da influência africana na cultura, desde os batuques que chegaram com os negros africanos até o ritmo cada vez mais internacional do Olodum e tantos outros grupos.

O segundo casal de mestre sala e porta bandeira da Império da Tijuca, Marcio Levi e Ana Carolina Valle, evoluindo na Passarela

Se o chão tremeu, como dizia o refrão da escola “Vai tremer/ o chão vai tremer/é nó na madeira/ segura que eu quero ver/ coisa de pele, batuk ancestral/La vem a sinfonia imperial”, no samba de Márcio André, Vaguinho, Marcão Meu Rei, Alexandre Alegria, Rono Maia e Karine Santos, só saberemos na Quarta-Feira de Cinzas. Mas a escola deixou belas lembranças e muita emoção durante sua passagem pela Marquês de Sapucaí.

A segunda escola, Grande Rio, que decidiu investir seus versos em Maricá, usando para isso a memória da cantora Maysa e o primeiro contato do naturalista inglês Charles Darwin com a biodiversidade da Mata Atlântica, trouxe belas imagens. Com uma constelação de atrizes e carros alegóricos criativos, a escola emocionou a vestir as baianas como a padroeira de Maricá, Nossa Senhora do Amparo.

O primeiro casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Grande Rio, Luís Felipe e Verônica; o carro alegórico todo em acrílico representando Maysa compondo ao piano; e as baianas como Nossa Senhora do Amparo

O samba de Dedé, Robson Moratelli, Rafael Ribeiro, Hugo da Grande Rio e Toni Vietnã tinha dois refrões fortes. O primeiro “Vou daqui, vou pra lá/vou sambando com você/Grande Rio vai passar../o couro vai comer/Eu sou feliz em Maricá, sou emoção/canta meu povo, bate forte coração” reforçava o sentimento de ser caxiense. O segundo “Joga a rede, pescador/quero ver multiplicar/joga a rede, pescador/o milagre vem de lá/Do Amparo à devoção/minha fé se revigora/na proteção de Nossa Senhora” dava evidência às baianas, aplaudidas por toda a Passarela, e reforçava a mistura entre o sagrado e o profano no Carnaval carioca.

A terceira escola trazia a marca da irreverência, tendo sempre levado informação e crítica social em seus versos e esculturas. Sua alegoria de Antonio Conselheiro e a Guerra de Canudos emocionou pelo realismo trágico. A escola contou e cantou a criatividade dos moradores de favelas, ou comunidades, no politicamente correto, de onde saem os melhores sambas, as mais belas poesias. Entre suas alas estavam algumas que homenageavam o Complexo do Alemão, novo ponto turístico carioca, com seu teleférico; a Mangueira, cujo cenário é uma beleza; e até o Salgueiro, entre outras. Tudo para explicar que samba não se aprende no colégio, mas nasce com facilidade onde há poesia, inclusive na forma de viver.

O casal de Mestra Sala e Porta Bandeira, Fabrício e Denadir; a alegria e beleza de Denadir; e o carro alegórico que lembrava a Guerra de Canudos

Isso ficou bem explicitado nos versos de Ricardo Góes, Serginho Machado, Naldo, Grey, Anderson Benson, FM e Flavinho “É nas vielas que nasce/o mais puro samba/se tem batucada nos guetos/tem bamba/É o coração quem manda..”.

A Mangueira entrou fazendo a festança brasileira, mostrando bem que a carnavalesca Rosa Magalhães continua detalhista em suas fantasias e alegorias. Lógico que muita gente pode achar uma ou outra fantasia parecida com algum desfile anterior, mas Carnaval é assim mesmo. Desde a “dança” dos índios, com a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, ocupando a terra e levando embora nossas riquezas, até os festejos juninos, que marcam bem a cultura do Nordeste/Sudeste brasileiro, o desfile foi uma festa.

O casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Mangueira, Raphael e Squel; os carros alegóricos sempre animados; e a ala dos barquinhos de oferenda a Iemanjá

A escola, que convidava o público para curtir a noite com a supercampeã da maior festa da cultura popular, puxou o refrão “Oba, Oba, eu quero ver quem vai/cair na folia, sambar com a Mangueira/É bom se segurar, levanta poeira/É verde e rosa a festança brasileira”. Os autores Lequinho, Júnior Fionda, Paulinho Carvalho, Flavinho Horta e Igor Leal também reforçaram, assim como a Vila Isabel no último ano, a festança junina como a tônica do Brasil. “Pegue seu par, dance quadrilha/simbora pro meu sertão/vem pular fogueira, viva São João!/com sanfona e zabumba/tem forró a noite inteira/no arraiá da Estação Primeira”.

Para não esquecer a necessidade de preservação do ambiente o Salgueiro cantou Gaia e os orixás, lembrando que iremos colher o que plantarmos hoje. Com fantasias que faziam uma homenagem a Fernando Pamplona e reforçavam a forte raiz africana da escola, o Salgueiro abusou da palha e da beleza plástica de fantasias e alegorias. Agora é saber se o encantamento do desfile vai surtir efeito naqueles que foram à Passarela do Samba, fazendo com que cada um assuma um compromisso de consumo consciente dos recursos naturais do planeta.

A sempre requisitada raínha da bateria Viviane Araújo; a bela ala das baianas, mostrando a influência afro da escola; e a alegria e colorido das alas

O refrão do Salgueiro chamava os orixás, mas a parte mais forte era a confirmação de que se o homem mudar sua forma de pensar e usar os recursos pode haver um futuro melhor. “Nas águas a felicidade/Vermelho e branco é axé/para dar um banho de amor na humanidade/purificando o coração de quem tem fé”, versos de Xande de Pilares, Dudu Botelho, Miudinho, Betinho de Pilares, Rodrigo Raposo e Jassa, pedia que as pessoas se abrissem para a purificação, acreditando e investindo num futuro melhor.

O encerramento do desfile foi com a Beija Flor de Nilópolis, que fez uma “limpeza astral na Sapucaí” antes de passar pelo Sambódromo. Com o maior número de artistas por metro quadrado do Sambódromo, a escola tinha como tema o ex-diretor da TV Globo Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, associando sua imagem à comunicação, desde os primórdios. A escola, vibrante e bonita, passou bonita, arrancando aplausos dos foliões. Entretanto o grande sucesso, indiscutivelmente, foi o casal de Mestre Sala e Porta Bandeira, Claudinho e Selminha Sorriso.

A simpatia e beleza da porta bandeira Selminha Sorriso; a bateria da Beija Flor, fantasiada de Charles Chaplin; e a garra dos componentes e composições de alegorias

30 Anos de Passarela do Samba