A superação como tema

A cada ano surge um conceito que exemplifica bem os dois dias de desfile do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro. Na maior parte das vezes o luxo ganha esse quesito, já que, como dizia o carnavalesco Joãozinho Trinta, “quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta é de luxo”. E como as escolas fazem seus enredos pensando na força da comunidade para ajudá-las a permanecer entre as grandes, dar um show na Avenida, não fogem muito dos faisões, plumas, penas, bordados e etc.

Esse ano, já no domingo, com a primeira escola, o desfile mostrou que seria diferente. Com enredo forte, reverenciando a influência africana em nossa cultura, a Império da Tijuca frisou que não queria ser a famosa “Escola Ioiô”, ou seja, sobe um ano e desce no outro. Mostrou garra, graça, luxo, samba no pé e na garganta. Começava ali a se desenhar o conceito de superação que permeou o Carnaval Especial de 2014, principalmente em seu segundo dia.

Lembro que há algum tempo, enquanto conversava com o ex-presidente da Unidos da Ponte, minha escola do coração, Édson Tessier, ele comentou que era grande a dificuldade quando desfilava entre as maiores agremiações. Isso porque a escola precisava ser esfuziante e grande parte de seus componentes eram, normalmente, pessoas que torciam pela Beija-Flor de Nilópolis, mas não tinham dinheiro para investir em uma de suas fantasias. A Ponte acaba sendo uma grande opção de desfilar na Passarela, sem gastar muito. Quando as duas estavam juntas, no Especial, diminuía sensivelmente o número de componentes que optavam pela escola de São João de Meriti.

Fora isso, ainda existem aqueles problemas cujas soluções independem do componente e da organização do Carnaval, como brigas na diretoria. Nesse caso, o negócio é tocar o barco e esperar que o melhor aconteça. Em quase 100% das vezes a comunidade chama para si a responsabilidade pelo sucesso do Carnaval e desfila, mesmo com os pés descalços, para mostrar que o amor pela escola está no coração e na alma. Emocionante o depoimento da porta bandeira da Mocidade, Lucinha Nobre, sobre a oportunidade que teve de ir para o atelier ajudar a produzir sua própria fantasia. Assim como ela, muitos outros componentes atenderam ao pedido do carnavalesco Paulo Menezes e viraram o jogo na escola, mostrando que os verdadeiros “donos” das agremiações são seus componentes.

Na Avenida o que se viu foi um Carnaval novo, diferente, com a cara de seus desfilantes. Quem viu o barracão da escola semanas atrás, não acreditaria no que estava na Passarela. Situação inversa da vivida pela Vila Isabel, que estava perfeita, mas sofreu um revés com a entrega de suas fantasias. Certamente será penalizada, perdendo pontos importantes, uma vez que os componentes perdiam a uniformidade plástica do desfile. Faltavam fantasias, sobravam garra e determinação. Todos os componentes cantaram do início ao fim do desfile, gritaram o orgulho de ser da terra de Noel, de vestir azul e branco e de ser Vila Isabel, campeã do Carnaval de 2013.

Outra que embarcou no conceito de superação foi a Portela, tradicional piada das redes sociais por conta dos problemas com o desempenho de sua águia. O carnavalesco Alexandre Louzada, um mago do Carnaval, investiu em tecnologia, colocando sua águia drone para sobrevoar a avenida. Mesmo com fortes dores na coluna atravessou a pé a Passarela, ao lado de sua “cria”, mostrando que é possível fazer um belo Carnaval e sonhar com o 22º título da escola. Dores, deixa pra pensar depois que a escola terminar o desfile e for ovacionada pelo público com o “É Campeã”. Se a voz do povo será a voz de Deus, ninguém sabe. Mas a Portela fez a sua parte, consolidando forças importantes para a recuperação da escola, como a porta bandeira Vilma Nascimento, o “Cisne da Passarela”, que em 1984 acompanhou o cunhado Nézio Nascimento, filho de Natal, na fundação da Tradição; e o compositor Paulinho da Viola que, mesmo sendo portelense de coração, ficou vários anos afastado da quadra e da vida social da Portela, entre outros.

Curar as feridas é um elemento importante para que uma escola possa superar suas crises e renascer mais forte. Como diz a música Sal da Terra, cantada por Beto Guedes, “Vamos precisar de todo mundo/um mais um é sempre mais que dois..”, uma máxima importante para se crescer. E, no Carnaval, basta chamar a comunidade que ela responde. O resultado oficial, baseado em critérios técnicos, irá punir uma e escolher as que tiveram uma pontuação mais próxima da perfeição. É importante que fique na mente a certeza de que esses pontos não levam em consideração as noites sem dormir, as dores do dia a dia, o desespero de carnavalescos e componentes. Nesses quesitos, todas as escolas levam 10, nota 10! Parabéns a todas as agremiações e obrigado por mostrarem que a vida pode ser diferente, basta querer e acreditar.

Superação. Onde ela entra na tua vida?